Vincent Maraux - Pierre Victor Renault pdf
PRÓLOGO
A aventura começou no mês de agosto de 1996 com uma carta
de Patrick, primo encontrado há pouco tempo, por ocasião de
pesquisas genealógicas anteriores: ele nos contava a descoberta no
sótão de sua mãe, em Nancy, de uma longa missiva que se referia ao
século passado.
Ela era proveniente do Brasil onde em 1832 tinha se instalado
um tio afastado, há muito tempo esquecido, que refazia contato, no
fim de uma vida cheia de aventuras, no melhor sentido da palavra,
com um irmão mais velho que tinha ficado na França.
Esta carta nos foi entregue com um certo atraso, no sul da
França, onde estávamos passando o verão. Ela nos colocava a par do
entusiasmo desta descoberta, mas exigia amplos detalhes em função
do número de páginas a decifrar, depois a resumir: tratava-se da
história de uma vida excepcional.
Patrick nos prometia todavia, desde seu retorno à Paris, no
início de setembro, que iria nos mostrar o original.
Logo em seguida, eu mergulhava nos arquivos familiares que
tinha em mãos e descobri um certo Pierre Victor Renault, nascido em
1811 em Metz, no qual seu pai escrevia no livro de família, mantido
escrupulosamente, o seguinte comentário: “graves erros de
juventude fizeram-no ir para o Brasil onde exerceu as funções de
engenheiro e adquiriu a estima e a consideração. Atacado por uma
doença mais moral que física, seu médico fez com que ele se casasse
com sua filha Antonia de Araújo em dezembro de 1840”.
Desde nosso retorno a Sceaux, nós esperávamos com
impaciência a visita de Patrick que felizmente não tardou.
A carta, datada de 17 de outubro de 1877, não era um original.
Ela tinha sido recopiada em seu tempo pelo destinatário para torná-la
mais legível e permitir sua distribuição para informação a outros
membros da família. Algumas passagens foram deixadas em branco
devido as dificuldades de leitura e falta de conhecimento dos nomes
geográficos locais.
Tratava-se da retomada de contato epistolar de um idoso, no
fim da sua vida, com um irmão, de pouco seu irmão mais velho, ao
qual visivelmente ele não tinha dado muita notícia desde sua
chegada ao Brasil, como também ao resto de sua família.
Sentimentos de pesar, até mesmo remorsos transpareciam na carta.
Ela era provavelmente destinada a restabelecer a paz na consciência
de seu autor, a maioria dos membros da família que ele tinha
conhecido na sua juventude já tinham desaparecido.
Em um estilo engraçado, alegre, e com um certo desapego, ele
contava as dificuldades de sua implantação no Brasil, todos os riscos
ocorridos, seu extremo desenlace passageiro e mesmo uma
expedição, entre outras aventuras, entre tribos antropófagas.
Depois, como ele sobreviveu vendendo sua antepenúltima camisa,
como obteve alguns trabalhos, apesar das doenças repetidas, e
pouco a pouco transpôs os escalões da sociedade local para casar
com a filha do médico de Barbacena (Estado de Minas Gerais) a qual
ele agradeceu com uma importante descendência e da qual
finalmente ele retomará a continuação profissional.
Encontrou por acaso, alguns dias mais tarde, um amigo que
partia para o Brasil onde ele deveria retomar seu posto na liderança
da filial de um grande grupo industrial francês, eu lhe entreguei para
comentário uma cópia da carta. Ele leu-a brevemente, e achou-a
interessante, verdadeira e me perguntou o nome do autor. “Puxa,
Renault, que engraçado”, diz ele, “eu tenho um colaborador brasileiro
com este nome. Eu vou perguntar-lhe se ele tem um ascendente
francês”.
Duas semanas mais tarde, o amigo em questão me chamava ao
telefone e após algumas palavras me disse: “eu te passo teu primo,
ele está na minha frente no meu escritório”.
Tudo se encaixa muito rápido: o novo primo Renault (João
Carlos de, seu primeiro nome, em um francês quase perfeito, me
expôs que era o trineto de Pierre Victor Renault, autor da famosa
carta, transmitida pelo meu primo. Que seus pais, tios, tias (e eles
eram numerosos), estavam a procura há dezenas de anos de suas
origens francesas, estariam prodigiosamente interessados pelo
documento e que eles queriam conhecer-nos rapidamente.
Muito rápido ficou decidido organizar uma viagem ao Brasil e,
alguns dias após o Carnaval, nós desembarcamos, Colette e eu no
Rio de Janeiro. Numerosas festividades e calorosas recepções nos
esperavam, durante as quais eu me esforçava, sem grande sucesso
aliás, em colocar em uma árvore genealógica gigantesca os
500 descendentes dos numerosos filhos do ancestral Pierre Victor
Renault que chegara lá, a mais de 160 anos antes.
Todos queriam nos mostrar, com muita emoção, as lembranças
da França, trazidas então pelo ancestral, que tinham sido transmitidas
de geração em geração.
Vários nos confiaram cópias de documentos, fotos que, de
retorno à Sceaux, tive todo o prazer de comparar com outros originais
reunidos a partir de papéis familiares ou outros arquivos oficiais.
Ao fim de dezoito meses de pesquisas e compilações, tudo
estava pronto para ajudar nossos longínquos primos brasileiros a
reencontrar sua origem francesa.