Vários Autores - A Nave Espacial pdf
Coletânea com 5 contos de ficção científica com os melhores escritores do gênero, entre eles, Isaac Asimov e Arthur C. Clarke.. # A Nave Espacial # Estranhas Coisas # Cidades Fantasmas # Crime na Ficção # Os Desamparados
A Nave Espacial pdf
A FICÇÃO CIENTÍFICA
As opiniões dos ficcionistas científicos se dividem, hoje, entre
duas posições distintas, assim como, em princípio, o real se opõe ao
imaginário: de um lado a preocupação de, simplesmente, "adivinhar"
o futuro, e de outro a busca de novos modelos de sociedade, "uma
tentativa desesperada de recuperar o mundo a partir do caos", como
afirmou M. Blanchet a respeito da obra de Hermann Hesse e que
vale, também, como referencial à moderna ficção científica.
O desenvolvimento das ciências tem sido tão impressionante
que resta apenas, aos defensores da primeira posição, uma postura
de verdadeiros adivinhos de realidades absolutamente, totalmente
imprevisíveis. E é justamente a isso que se contrapõe o segmento
de autores com visão social, justamente aquele mais criativo e
produtivo atualmente, um reflexo claro do crescente interesse pelos
altos e baixos visíveis nos gráficos da sua própria civilização,
entendida como o mundo que cerca e no qual vivem esses
ficcionistas.
Na verdade, nada tão simples como descrever reações, usos e
costumes de horrendos (ou maravilhosos) homenzinhos verdes com
antenas espalhadas pela cabeça — a personificação usual dos
"marcianos". À ficção científica pode-se creditar virtudes que vão
além do pequeno mundo de imaginação e fantasia do leitor leigo,
que nem sempre identifica, num retrato quase fiel — em termos
sociais, políticos e econômicos —, as restrições da sua vida e
época, as impossibilidades que o cercam e as dificuldades da
sobrevivência digna.
A partir do fundo social, psicológico de uma nova proposta é que
surgem, junto a outros autores, críticos e até mesmo aos leitores os
antagonismos da conceituação da ficção científica, de resto
suficientemente discutível como, por exemplo, a busca dos pontos
comuns entre linguagem jornalística e linguagem literária.
A que serve a ficção científica, afinal? Ela não pode ser
encarada como mera decorrência do progresso científico e
tecnológico e do "excesso de imaginação" de alguns escritores, que
optaram por dedicar a ela os seus trabalhos, e relegada a condição
idêntica de produto a um tubo de dentifrício.
Daí, então, a posição de muitos autores, que encontram na
ficção científica a possibilidade de projetarem a sua visão de mundo,
sua interpretação da realidade, as propostas e alternativas para uma
sociedade mais próxima à ideal e justa na sua concepção.
Mas, é claro, nem sempre o modelo proposto conduz,
exatamente, a uma sociedade não conturbada. Mesmo porque a
visão social do autor pode chegar ao delírio do caos total, o que não
deixa de ser, por sua vez, um reflexo bastante real das
possibilidades do mundo nos anos que correm projetadas no futuro:
mortalidade infantil, guerras (frias ou convencionais), falta de
alimentos, lucro desmesurado usufruído por minorias privilegiadas,
destruição ecológica, desemprego, etc.
Esse "passo à frente" da ficção científica — o seu enfoque
psicológico, social — é uma manifestação recente. Em artigo
publicado há menos de vinte anos, O. M. Carpeaux reafirmava a sua
ojeriza pelo gênero: "(...) Essa literatura de cordel fornece ao leitor
comum todas as trivialidades, horrores, sentimentalismos, etc. que a
literatura exclui cuidadosamente dos seus enredos (ou de sua falta
de enredo). A "science-fiction" faz questão de não tocar nunca em
problemas psicológicos ou questões sociais. Ao embarcar para o
espaço, perde o contato não só com a Terra mas também com a
realidade (...)"
Carpeaux, evidentemente, reformulou, razoavelmente, seus
pontos de vista em relação à ficção científica na medida em que
conheceu obras com outras preocupações que não a fantasia pura e
simples, que fogem daquilo que ele designou de "(...) literatura
pseudo-religiosa, literatura de edificação do homem que já não
suporta sua solidão no Universo(...)"
É certo, no entanto, que a ficção científica é livre e especulativa,
não mais atrelada, rigidamente, como no século passado, a
postulados rigorosamente científicos na sua abordagem do futuro e
do fantástico. Mesmo porque a ciência cresceu geometricamente
desde então — "Tratando-se de artes e ciências — convenceu-se o
físico Robert Oppenheimer —, não há alternativa senão tornarmonos
profetas".
Assim, à medida que a ciência envereda — em função do seu
próprio e gradual desenvolvimento — por caminhos tão aleatórios
como inimagináveis, vemo-nos às voltas com uma literatura de
ficção científica que não se dá muito ao trabalho de descrever os
seres e suas características, o tipo de armas e roupas e a infraestrutura
de comunicações e transporte do ano 3001, por exemplo,
o que representaria, novamente, mais um conformista exercício de
adivinhação.
A ficção científica, hoje, utiliza menos o recurso de sofisticados e
inescrutáveis aparelhinhos e de fantasiosas viagens interplanetárias
para, cada vez mais, transformar-se em verdadeiro laboratório de
estudos sociais, políticos e econômicos, trazendo ao leitor novas
concepções de sociedade ou, então, como afirmou G. Lapouge,
"tentando levar às suas últimas conseqüências, a seus limites
extremos, os modelos de sociedade existentes, como se
estivéssemos num laboratório social onde se agisse pelo método da
simulação".