Varios Autores - Invasao Alienigena pdf
Invasao Alienigena pdf
Nunca entendi direito
a diferença entre
mim e os outros.
Sempre senti os outros, meus
semelhantes, o mundo todo,
como parte de mim mesmo. A
parte mais estreita, menos vasta
de mim mesmo. Porque tudo o
que está fora é sempre menor
do que tudo o que está dentro,
mas ambos me pertencem. Os
prédios e as estrelas do lado de
fora, meus, são bem menores
do que os prédios e as estrelas
do lado de dentro, também
meus.
Mas agora as coisas
internas começaram a
encolher. Contra a minha
vontade. Então essa é a
diferença entre mim e
os outros? Entre o interno e o
externo? Será possível que...
Será mesmo possível que exista
uma fronteira separando os dois
mundos, as coisas internas e
externas? Agora começo a sentir
que estão chupando minha essência.
Eles, os invasores. Agora
sinto que estão extraindo de
mim as maiores riquezas. Separando
e subtraindo o fora e o
dentro. O que antes era meu,
o interior e o exterior, já não é
mais meu. É deles.
Os invasores chegaram no
primeiro dia do ano. Eram seis.
Ficaram dois dias e partiram.
Voltaram seis meses depois e
não partiram mais. Agora são
uns duzentos. Chegaram em
grandes esferas maleáveis como
a água. Mais de duzentos, uns
trezentos invasores. Seus olhos
são poderosos, sugam nossos
pensamentos, nossas memórias.
No início eles não eram maus.
Pareciam ter vindo em paz.
Apenas passeavam pela cidade e
pelo campo, coletando pedregulhos
e sementes.
A situação começou a ficar
feia quando um dos invasores
sugou os pensamentos de meu
pai. Parece ter sido sem intenção,
por acidente. O invasor
simplesmente olhou mais tempo
do que devia e os pensamentos
começaram a fluir. Foi horrível.
Meu pai caiu duro. O invasor
tremeu e se contorceu. Parecia
estar tendo um surto de prazer,
um orgasmo místico. Então a
histeria começou.
Tivemos que fugir para as
catacumbas. Metade da cidade
não conseguiu escapar. Nossos
pensamentos parecem ser uma
droga poderosa, os invasores
não conseguem resistir. Estão
viciados. Mesmo o mais virtuoso
deles, seu líder, cedo ou tarde
cederá ao desejo, à tentação
demoníaca. Mais dia menos dia
também ele cavará fundo nossos
olhos. Talvez ele esteja fazendo
exatamente isso agora. Talvez ele
já esteja aqui, nas catacumbas,
sugando meus pensamentos.
Essa tontura, essa névoa. Essa
minha indecisão. A desconfiança
de que o mundo não me pertence
mais. Meu antigo mundo.
Dividido em hemisférios, agora
sendo sugado.
No processo de esvaziamento
eu reencontro meu
pai. É um sonho. Ele vem
até mim, eu o abraço, nós
choramos. Minha memória
começa a falhar. Eu pergunto:
quando foi que isso
começou, esse pavor do mundo
cindido, esse medo do lado
secreto da vida: a morte? No dia
em que os humanos chegaram
pra ficar, meu pai responde.
Nesse dia nós começamos a
compreender. Horrorizados.
Eles nos olharam fixamente e
nós começamos a entender que
não são a mesma coisa o bem e
o mal, o amor e o ódio.
Começamos a entender que
não são a mesma coisa o dia e a
noite. Horrorizados.
A juventude e a velhice.
Começamos a entender, meu
filho. Não são a mesma coisa.