Tony Bellotto - Bellini e a Esfinge pdf
Antes de acordar eu já escutava o ruído incômodo de um telefone
tocando insistentemente.
Vagava por um estado intermediário entre o sono profundo e a vigília,
despertei ao ouvir meus próprios grunhidos numa tentativa (inútil) de dizer
alô.
Reconheci a voz aguda de Rita gritando do outro lado da linha:
— Bellini! Por onde você anda? Dora quer vê-lo pontualmente às duas
horas.
— Que horas são? — perguntei, sonolento.
— Dez pro meio-dia. Liguei a manhã toda. Onde você estava?
— Dormindo — respondi, e ela sabia que um telefonema nem sempre
era suficiente para me fazer abrir os olhos.
Despedi-me com um "até já", pulei da cama, tomei um banho frio, fiz a
barba.
Caminhei pela Peixoto Gomide até o Luar de Agosto, na esquina com a
alameda Santos, e me sentei a uma das mesas na calçada. Antônio, o
garçom, me serviu como de costume o sanduíche de salame com queijo
provolone no pão francês, chope gelado e o café expresso, curto e amargo,
sem açúcar.
— Novidades? — ele perguntou.
— Possivelmente um caso novo. Não sei ainda.
— Adultério?
— Deve ser.
O céu estava azul, um azul que só existe em maio. Peguei um táxi para
o edifício Itália, de onde Dora comandava suas investigações.
Casos rotineiros de adultério ocupavam a maior parte de nosso
trabalho, o que era entediante (cochilei alguns segundos durante o
percurso).
Entrei no escritório, no décimo quarto andar, Rita me saudou com o
irônico e inevitável bom-dia. Flagrei o Lobo em sua sala particular,
desfrutando dois de seus mais preciosos hábitos: fumava uma cigarrilha
norte-americana Tiparillo e escutava Paganini em alto volume.
Isso era um bom sinal.