A 'Ciropédia' pode ser lida não só como a descrição da vida do lendário general persa Ciro, mas também como um relato da forma como um homem era educado para o desempenho das funções públicas, na Antigüidade.
Xenofonte - Ciropedia - A educação de Ciro PDF
LIVRO I
Prólogo — Genealogia de Ciro — Exercícios de cada idade — Ocupação das
crianças, dos púberes, dos homens feitos e dos velhos — Ciro parte para a Média
com sua mãe — Jovialidade de Ciro — Mandane volta para a Pérsia, deixando seu
filho na Média — Caçadas de Ciro — Primeiros feitos militares de Ciro nas
fronteiras da Média — Ciro torna para a Pérsia — Ciro é eleito general do exército
auxiliar na guerra entre os assírios e Ciaxares, sucessor de Astíages — Longo
diálogo entre Ciro e Cambises, durante a marcha até chegar à Média.
Prólogo
Refletimos um dia no grande número de estados
populares que sucumbem ao poder dos partidos, no grande
número dos partidos, no grande número de monarquias e
oligarquias que sucumbem ao poder de partidos
democráticos, e também no grande número de reis, que,
tendo usurpado o cetro, foram uns imediatamente privados
dele, outros, enquanto o empunharam, foram sempre objeto
de admiração por sua sabedoria e felicidade. Igualmente
notámos que entre os particulares, uns tinham muitos
domésticos, outros tinham poucos, e que estes mesmos lhes
não obedeciam. Ocorreu-nos enfim, que os boieiros. os
eguariços e todos os pastores podem com razão ser
considerados como régulos dos animais que estão debaixo da
sua guarda. Embebidos nestes pensamentos, observámos que
mais prontamente obedecem os animais a seus pastores, do
que os homens a seus chefes. Os animais caminham por onde
os conduzem, pastam nos campos a que os levam, não
entram naqueles de onde os desviam, e consentem que tirem
deles todo o proveito. Não consta que jamais houvesse entre
eles alguma sedição, ou para não seguir a voz de seus
pastores, ou para não consentir que deles se utilizassem. Pelo
contrário, a ninguém são mais inclinados, do que aos que os
governam e que deles se aproveitam. E que fazem os homens?
Esses contra ninguém mais facilmente se levantam, do que
contra aquele em quem reconhecem pretensões de governálos.
Portanto, deduzimos destas reflexões que mais facilidade
tem o homem em governar os animais do que os próprios
homens.
Mas depois que nos recordámos que existiu um persa
chamado Ciro, que soube conservar sujeitos ao seu domínio
muitos homens, muitas cidades, muitas nações, fomos
obrigados a mudar de sentimentos, e a pensar que não é
impossível nem difícil governar os homens, uma vez que para
isso haja suficiente capacidade. De feito, víamos que de bom
grado se sujeitavam ao domínio de Ciro, povos que viviam
afastados de seu reino, distâncias de muitos dias e meses,
povos que nunca o tinham visto, e povos que nem mesmo
esperanças podiam ter de vê-lo: contudo obedeciam-lhe todos
prontamente. Grandíssima vantagem levou este príncipe a
todos os outros, que, ou ocuparam o trono de seus
antepassados, ou o adquiriram por conquista. Os reis da
Cítia, da Trácia, da Ilíria e de outras nações, apesar de seus
numerosos súditos, nunca puderam alargar seus domínios, e
contentavam-se com governar sua gente. Segundo se diz,
ainda hoje há na Europa várias nações autônomas,
governadas por príncipes independentes.
Sabendo que na Ásia havia nações autônomas, Ciro
pôs-se em marcha com um pequeno exército de persas,
dominou os medos e hircanos, que espontaneamente
receberam o jugo, venceu a Síria, a Assíria, a Arábia, a
Capadócia, ambas as Frígias, a Lídia, a Cária, a Fenícia, a
Babilônia, a Bactriana, a Índia, a Cilícia, os sacas,
paflagônios, megadinos, e outras muitas nações, que seria
prolixo mencionar. Subjugou também as colônias gregas da
Ásia, e, fazendo uma descida às regiões marítimas, meteu
debaixo do seu império Chipre e o Egito. Todas estas nações
falavam línguas diferentes entre si, e diferentes da do
conquistador; e contudo penetrou Ciro tanto além com suas
armas, e com o terror de seu nome, que a todos encheu de
medo, nenhuma ousou sublevar-se. E de tal maneira soube
captar o amor dos povos, que todos queriam viver sujeitos às
suas leis. Finalmente, fez dependentes de seu império tão
grande número de reinos, que é dificultoso percorrê-los,
partindo da capital para qualquer dos pontos cardeais, para
leste ou para oeste, para o norte ou para o sul. Indagaremos,
pois, qual foi a origem deste varão extraordinário, qual sua
índole, qual sua educação, que o fizeram tão superior na arte
de governar. Narraremos o que dele ouvimos, e o que
pudemos alcançar por investigação própria.
Genealogia de Ciro
Ciro era filho de Cambises, rei da Pérsia. Este Cambises
era da geração dos Perseidas, que se gloriam de descender de
Perseu. A mãe de Ciro chamava-se Mandane, era filha de
Astíages, rei da Média. Ciro, cujo nome ainda hoje é celebrado
pelos bárbaros, era de estatura elegantíssima, de um coração
cheio de benevolência, e muito amante da sabedoria e da
honra. Para ganhar aplausos, sofria os maiores trabalhos, e
arrostava-se com os mais evidentes perigos. Tais foram suas
qualidades morais e físicas, que a história nos transmitiu.
Exercícios de cada idade — Ocupação das
crianças, dos púberes, dos homens feitos
e dos velhos
Ciro foi educado segundo as leis da Pérsia, que todas
tendem ao bem comum. Estas leis diferem das por que se
regula a maior parte das nações. Na maioria das nações é por
lei permitido aos pais darem a seus filhos o gênero de
educação que lhes apraz, e chegados os filhos a certa idade,
também é lícito a estes viverem independentes. Nestes países
só é proibido o furto, o roubo, o entrar violentamente nas
casas, os ultrajes injustos, o adultério, a desobediência aos
magistrados, e outras coisas tais. O que infringe algum destes
artigos, é castigado. As leis dos persas não são assim, tratam
de obviar a que logo desde a primeira idade os cidadãos sejam
inclinados à dissolução e desonestidade. Eis como elas são
dispostas:
Há uma praça chamada Eleutera, onde estão os
tribunais e o palácio real. Nela não ficam os vendedores, que
com suas vozes, inurbanidades, e ordinária azáfama,
confundiriam a regularidade dos exercícios. Esta praça achase
dividida em quatro repartições: a primeira é para as
crianças, a segunda para os púberes, a terceira para os
homens feitos, a quarta para os que já não têm idade de
militar. Estes indivíduos são obrigados a ocupar suas
respectivas classes: as crianças e os homens feitos, todos os
dias, logo que amanhece; os velhos só têm obrigação de
comparecer em dias marcados, nos outros dias vêm se lhes
apraz; os púberes celibatários pernoitam armados em roda
dos tribunais; os casados, só por aviso são obrigados a
comparecer, ficando todavia mal vistos se fazem longas
ausências.
Cada uma destas classes tem doze chefes (pois doze são
também as tribos em que a Pérsia se divide). As crianças são
governadas por chefes tirados da classe dos anciãos, sendo
escolhidos os mais capazes de lhes dar uma educação
fecunda. Os púberes são dirigidos por superiores da classe
dos homens feitos, havendo cuidado de fazer seleção dos mais