Este livro foi o primeiro sucesso de Hohlbein como um escritor e o ponto de partida para sua carreira de um dos mais conhecidos e produtivos escritores de ficção. No primeiro livro, A terra das florestas sombrias, se apresenta o mundo de Märchenmond, seu protagonista, o garoto Kim, e a jornada que o menino terá de fazer para salvar sua irmã, Rebekka, que teve sua alma aprisionada pelo o Senhor das Trevas, Boraas. Com a ajuda do mago Temístocles, irmão gêmeo de Boraas, um gigante, um urso e um dragão irão agregar de forças aliadas para o confronto final contra o mal. Apesar dos estereótipos, a história coloca um menino que, confuso, descobrirá a coragem e a força suficiente para encarar a luta e também a aceitação de seus medos e pesadelos mais profundos. O livro foi publicado em mais de doze países e vendeu mais de 2 mihões de cópias, e é o primeiro romance de Hohlbein a ser publicado em inglês em 2006. Foi publicado no Brasil em 2006 pela Prestigio Editorial.
Wolfgang e Heike Hohlbein - A Terra das Florestas Sombrias PDF
“...Os olhos fixos na superfície cintilante da tela panorâmica, a testa
coberta por minúsculas gotas de suor, o rosto do comandante
Arcanas demonstrava crescente preocupação. Um silêncio incomum
reinava na central de comando da nave espacial Warlord II, onde se
aglomeravam pessoas, máquinas e computadores. Até os estalos dos
reatores, que nos últimos anos haviam feito parte da vida a bordo,
pareciam, de repente, mais silenciosos. Talvez no interior da
gigantesca nave espacial houvesse uma alma capaz de prever o
perigo que estava prestes a desabar sobre ela e seus tripulantes.”
A porta da casa fechou com um estalo, o que fez com que Kim interrompesse
a leitura. Com o dedo indicador da mão esquerda entre as páginas, levou o
livro até a escrivaninha. Sobre o tampo polido da mesa, empilhavam-se livros e
cadernos escolares, papéis, uma borracha em forma de minibola e um pacote
de canudinhos coloridos, usados para encobrir uma mancha de queimadura
que, se fosse descoberta, certamente lhe traria problemas. A mancha era
resultado de um teste — aliás, muito bem-sucedido — que fizera com algodão,
uma lente e um punhado de fósforos. Kim dobrou uma folha de papel,
colocou-a entre as páginas do livro e, com um pesaroso levantar de ombros,
devolveu-o à prateleira.
Sobre a estante empilhava-se uma enorme quantidade de papel: alguns
gibis (restos de sua coleção que já fora muito maior, todos presos com elástico
e acomodados em uma das extremidades da estante), um número
relativamente grande de livros de bolso e cerca de uma dúzia de volumes caros,
encadernados. Eram livros bastante manuseados, pelo menos a maioria. Havia
alguns novos, que ele ganhara de presente e que não lhe interessavam, mas que
colocava entre seus outros tesouros em sinal de consideração às pessoas que
os haviam dado, porém, com a certeza de que jamais os leria.
Ouviu os passos ligeiros da mãe no hall. Com um suspiro, Kim deu as
costas para a estante, foi até a porta, mas se virou novamente para a
escrivaninha, a fim de arrumar o caos que lá reinava. Queria dar a impressão
de que havia estudado, em vez de ter passado a tarde toda mergulhado na mais
recente edição de Guerreiros das estrelas.
Abriu o livro de matemática na página marcada pela orelha, ligou a
calculadora de bolso e colocou-a ao lado de uma folha de papel cheia de
rabiscos, mudos testemunhos de suas inúteis tentativas de solucionar o
problema que o professor havia lhe passado. Matemática, assim como toda e
qualquer matéria relacionada a números, não era o seu forte. Desde o primeiro
dia de aula, Kim declarou guerra à matemática — e, nos sete anos e meio que
se passaram desde então, nada havia mudado. Ele não gostava de números e
simplesmente não entendia por que tinha de saber como se resolvia uma
equação com duas incógnitas se tinha uma calculadora de bolso!
Com olhos críticos, examinou o arranjo sobre a mesa, acrescentou um
lápis apontado ao conjunto e, satisfeito, saiu do quarto. No que dizia respeito
aos deveres de casa, seus pais não lhe davam moleza. Com certeza o pai, como
fazia todos os dias após o jantar, perguntaria, com um franzir de testa, pela
lição de casa. Kim suspirou. Talvez mais tarde fizesse uma nova tentativa para
resolver o problema! Em último caso poderia copiar, no dia seguinte, a solução
de um colega de classe.
Lançando um último olhar para a estante de livros, finalmente saiu do
quarto. O comandante Arcanas teria de esperar até o dia seguinte para
conduzir a Warlord II rumo à batalha final contra os monstros vegetais
telepáticos.
Kim desceu as escadas saltando os quatro últimos degraus com um
único pulo. O casaco de sua mãe, pendurado no bali, ao lado da parca
esgarçada do pai, mostrou-lhe que os dois estavam em casa. O pai usava a
parca desde que Kim se conhecia por gente e, provavelmente, não iria se
separar dela tão cedo. A porta da sala de estar estava apenas encostada, e a
primeira coisa que Kim notou foi o cinzeiro, no qual fumegava um cigarro
fumado pela metade.
Kim franziu a testa. O pai havia decidido parar de fumar há cinco
meses e até então se mantivera firme nesse propósito. Mas, pelo jeito,
começara de novo. Estranho! Estranho também era o pai já estar em casa
àquela hora do dia. Não eram nem quatro da tarde — e ele normalmente não
deixava o escritório antes das seis. Kim ouviu as vozes dos pais através da
porta semi-aberta, mas não entendeu o que diziam. Lançou um olhar sobre o
cigarro aceso, colocou o polegar no cinto e entrou. O pai e a mãe estavam
sentados lado a lado no sofá, com a televisão ligada. Sobre a mesa havia um
maço de cigarros, aberto, ao lado do cinzeiro e do isqueiro alaranjado. Seus
pais interromperam a conversa abruptamente. Só se ouvia o tique-taque do
velho relógio de parede.
— Oi, Kim — disse a mãe com voz baixa.
Ela endireitou o corpo e, com um gesto nervoso, afastou o cabelo da
testa. Depois pousou as mãos nos joelhos.
— Eu... eu pensei que você estava no seu quarto, e...
Kim piscou, surpreso. Nunca vira a mãe tão insegura. Ele a conhecia
sempre calma e controlada — e ela nunca falava sem pensar.
— Você... você terminou a lição de casa? — perguntou a mãe. Kim fez
um gesto afirmativo e murmurou algo parecido com um “sim”, mas que, por
via das dúvidas, também podia ser interpretado como “quase”.
O pai suspirou. Estava inquieto. O couro do sofá, já quebradiço, chiou
quando ele, meio sem jeito, pegou o maço de cigarros. Pouco à vontade, Kim
caminhou arrastando os pés no chão e tirou a mão do cinto. De repente
entendeu por que os pais estavam tão nervosos.
— Vocês... vocês estiveram no hospital, não é?
O rosto da mãe se anuviou. Kim teve a sensação de ter dito algo
errado.
— Sente, filho — pediu o pai.
Kim lançou um olhar interrogativo na direção do pai, cujo rosto estava
escondido atrás de uma nuvem de fumaça azulada. Depois se sentou na
beirada da poltrona.
— Meu filho... — começou o pai.
O pai só o chamava de “filho” quando estava muito bravo, muito bemhumorado
ou muito nervoso. Raras vezes o chamava pelo nome; normalmente
era “pequerrucho”, às vezes “Júnior”. “Meu filho” era sinal de que algo estava
acontecendo.
— Eu... — o pai hesitou por um instante e depois recomeçou. — Sua
mãe e eu queremos falar com você.
Kim estava nervoso. Não queria ouvir o que o pai tinha a dizer, pois já
sabia do que se tratava. Um rápido olhar para o rosto pálido da mãe, marcado
por profundas olheiras, deixou-o ainda pior. Ela esboçou um sorriso triste e
seus dedos moviam-se nervosamente.
— Vocês estiveram com a Bekky, não é? — perguntou.
O pai confirmou com a cabeça. Apagou o cigarro e, com os dedos,
desenhou linhas nas cinzas esbranquiçadas no cinzeiro.
— Sim, estivemos com a sua irmã — respondeu após algum tempo.
Encarou Kim por cima dos aros dourados dos óculos e apoiou os cotovelos na
mesa. Depois apoiou o queixo nas mãos, como fazia quando pensava ou
quando queria explicar algo muito difícil.
— A sua irmã... Rebekka está muito doente, Kim. Kim balançou a
cabeça.
— Eu sei. Ela tem de...
O pai interrompeu-o suavemente.
— Não é por causa do apêndice, filho.
— Não?! Mas vocês falaram que...
— Contamos isso para você porque... porque não queríamos deixá-lo
preocupado.
— Você quer dizer que... que ela não teve apendicite?
— Sim, sim, ela teve apendicite — interrompeu o pai. — É que... — e
acendeu outro cigarro. — Eu não sei... nós não sabemos como lhe explicar,
filho... — e decidido. — Você foi junto quando levamos a sua irmã para a
clínica e... você também ouviu o que o Dr. Schreiber disse. Ele explicou que
uma operação de apêndice nos dias de hoje é coisa simples, de modo que não
há motivo para preocupação. Ele também disse que a Rebekka estaria em casa
dentro de uma semana.
Kim fez um gesto afirmativo. Lembrou de como tudo acontecera: de
uma hora para outra, Rebekka começou a chorar e a se queixar de fortes dores
no lado direito da barriga. Primeiro não levaram a sério: Rebekka completara
quatro anos em maio, mas quando sentia alguma dor, ou quando era
contrariada, portava-se como uma criança de colo. Mas os sintomas pioraram
e, à noite, a menina começou a vomitar. O pai chamou uma ambulância e
levaram-na para a clínica. Quando voltaram para casa, já era mais de meianoite
e a mãe mandou Kim para a cama. Mas como ele não conseguia dormir,
ouviu os pais conversando por longas horas. O Dr. Schreiber lhes garantira
que não havia motivo para preocupação. Kim lembrou bem do pequeno e
franzino médico de cabelos grisalhos e olhos tristes escondidos atrás dos
óculos de aros grossos.
Nos últimos dias, Kim notara um clima tenso na casa: o telefone
tocava com mais freqüência que de costume e a mãe, quando atendia,
sussurrava, em vez de falar com voz normal. E quando Kim entrava na sala,
ela desligava rapidamente.
Uma sensação de medo começou a se manifestar no estômago do
menino, parecida com os momentos de angústia que sentia quando trazia
notas baixas para casa.
O pai continuou.
— Surgiram complicações. Isso acontece, não é freqüente, mas
acontece. O Dr. Schreiber nos deu explicações, mas... — a voz do pai ficou
trêmula e Kim percebeu lágrimas nos seus olhos. O pai piscou, tragou o
cigarro e escondeu-se novamente atrás de uma nuvem de fumaça.
De repente ele levantou, permaneceu em pé, imóvel, e cerrou os
punhos. Abriu a boca para falar, mas balançou a cabeça e, com um movimento
brusco, deu-lhes as costas.
— Fale para ele — murmurou. — Eu não consigo.
Os olhos de Kim correram das costas do pai para o rosto da mãe.
— O que... o que aconteceu com a Bekky? — perguntou assustado.
A mãe tentou falar, mal contendo a emoção.
— Ela... estava tudo normal... ela foi anestesiada antes da operação,
mas... — O coração de Kim deu um pulo doido. Suas mãos começaram a
tremer e em sua garganta formou-se um nó.
— Ela... ela está morta?
A mãe ficou estarrecida, depois cobriu o rosto com as mãos e
começou a soluçar.
— Não, filho.
O pai sentou-se novamente, os olhos marejados de lágrimas.
— Não, filho. Ela não está morta. Ela só não acordou da anestesia.
Eles a trouxeram da sala de cirurgia, a colocaram na cama e esperaram que
acordasse, mas ela não acordou. Ela simplesmente continua dormindo!
— Há quanto tempo?
— Há dois dias — murmurou o pai.
— Não contamos antes para você porque esperávamos que tudo fosse
se ajeitar, mas há pouco telefonei para a clínica e... nada mudou. Ela continua
inconsciente.
—Mas... ela nunca mais vai acordar?
Para Kim era difícil entender o que estava acontecendo. A idéia de que
alguém dormia e nunca mais acordaria era monstruosa. Isso só acontecia nos
livros ou nos contos de fada — não na vida real! Por um momento, a revolta
dentro dele era mais forte que o medo. Isso não podia estar acontecendo com
a sua própria irmã!
— A sua mãe e eu vamos para a clínica agora — disse o pai. — O Dr.
Schreiber quer falar com a gente.
— Eu vou com vocês — declarou o menino. O pai não queria deixar.
— Infelizmente não vai dar, Kim. Eles não permitem a visita de
crianças com menos de quatorze anos.
— Eu espero no corredor — insistiu Kim. — Eu quero ver a Rebekka!
O pai ia dizer algo, mas a mãe o impediu, colocando a mão no seu
braço.
— Deixe-o ir!
Sem esperar a resposta do pai, Kim levantou da poltrona com um pulo
e, tomando dois degraus por vez, subiu as escadas.
Minutos mais tarde, quando os pais se preparavam para sair, Kim
estava de volta, abraçado a um ursinho de pelúcia sujo e amarrotado. Ao pobre
bichinho faltava a orelha direita e um olho de vidro. Era o brinquedo favorito
da Rebekka. Quando viu o urso, a mãe estremeceu e começou a chorar
novamente, então Kim se deu conta de que não fazia sentido levar o
brinquedo. Inseguro, girou o urso entre os dedos à procura de um lugar para
colocá-lo.—
Tudo bem, filho — murmurou o pai. — Pode levá-lo. Quando
atravessaram o pequeno jardim, começou a chover. O céu havia estado
encoberto durante a maior parte do dia e, apesar de uma vez ou outra um
solitário raio de sol abrir caminho entre as nuvens, reinava um frio
desagradável. O outono chegara cedo este ano. Os jardins das casas populares
que margeavam a rua onde Kim e sua família moravam ainda estavam floridos,
mas a previsão do tempo anunciara geada para a próxima noite. A chuva que
agora caía em gotas grossas e pesadas já era o prenúncio do inverno que se
aproximava.
O pai levantou a gola do casaco e correu para abrir o carro. Deu
partida e, abrindo a porta para a esposa e o filho, disse:
— Temos de nos apressar. O Dr. Schreiber nos espera às quatro e
meia. E com esse trânsito...
Kim foi para o banco traseiro e colocou o cinto de segurança. A chuva
intensa que tornava o habitual trânsito de final de tarde ainda mais complicado
havia transformado as ruas em espelhos, que refletiam as imagens difusas dos
carros.
Os pedestres abriam o guarda-chuva ou levantavam a gola dos casacos;
alguns refugiavam-se em alguma loja. Escureceu. O pai ligou o aquecimento e,
em pouco tempo, o calor aconchegante afugentou a umidade dentro do
veículo, mas não conseguiu aquecer o interior do menino. Kim aninhou-se no
banco traseiro e enfiou as mãos nos bolsos do paletó, mas o frio havia se
apossado dele e não o largava mais. Parecia que se formara uma barreira ao
redor do seu corpo que repelia todo e qualquer calor. Apertou o ursinho de
pelúcia contra o corpo. Seus olhos encontraram os do pai no espelho
retrovisor. Meio sem graça, colocou o urso de lado e apoiou o rosto no vidro
embaçado do carro.
Depois que deixaram a cidade, o pai acelerou. O velocímetro estava
pouco abaixo dos cem. O pai sempre dizia que, com tempo chuvoso e pista
molhada, não se devia ultrapassar os oitenta, mas hoje, pelo visto, ele resolveu
abrir uma exceção. O carro ultrapassou uma série de caminhões, arrastando
atrás de si uma cauda de névoa cintilante formada por milhares de gotas de
água.
Ao entrar na pista de acesso para a Ponte Sul, vislumbraram um
reluzente arco-íris que se formara sobre o rio Reno. O rio, liso e opaco,
lembrava uma alongada faixa de chumbo líquido. Kim avistou um enorme
caminhão de carga que passava por baixo da ponte. Seguiu-o com os olhos até
o perder de vista, depois voltou sua atenção de novo para o arco-íris. Não era
um arco-íris muito grande nem muito vistoso. Haveria, talvez, uma hierarquia
entre os arco-íris? A começar por pequenos e insignificantes, com poucas
cores, até chegar aos exuberantes, que resplandeciam no mais variado colorido
e que formavam uma ponte abobadada até o céu e as estrelas?
Talvez, no infinito do universo, houvesse um rei dos arco-íris? Se bem
que Kim não podia imaginar como seria o tal rei dos arco-íris. Mas o universo
era tão grande e tão maravilhoso que talvez, em algum minúsculo planeta, a
galáxias de distância, existisse um rei dos arco-íris!
A ponte ficou para trás e as cores do arco-íris confundiram-se com o
deprimente cinza do céu.
Nuvens negras acumulavam-se sobre a cidade e a chuva caía tão forte
que o pára-brisa mal conseguia vencer as águas diluviais.
O crepitar das gotas sobre o teto do carro assemelhava-se a um
longínquo trovejar. Entraram na Rua Mohren. O caminho era familiar para
Kim, pois há alguns anos ele ficara internado nessa mesma clínica, também
com apendicite, como a irmã. Aliás, apendicite era um mal de família, pois a
mãe também não tinha mais apêndice.
Kim quase teve de repetir a terceira série, pois, a conselho do médico,
tirou férias depois da operação, perdendo, assim, seis semanas de aula. Na
época, o pai contratou um estudante para lhe dar aulas de recuperação e,
enquanto seus amigos jogavam bola na rua ou faziam mil peripécias, Kim se
via obrigado a enfiar a cara nos livros.
Finalmente chegaram. O pai parou o carro, debruçou-se para trás e
abriu a porta para Kim.
— Você e sua mãe podem descer. Eu vou procurar um lugar para
estacionar.
Kim soltou o cinto de segurança, saltou para fora do carro e correu,
com a cabeça encolhida, para se abrigar debaixo do portal da clínica, todo
branco e em forma de arco, onde já se acotovelavam pelo menos uma dúzia de
pessoas. Homens, mulheres e algumas crianças, mas também dois homens de
avental branco que, pelo visto, trabalhavam na clínica, os rostos sombrios
voltados para o céu, na esperança de que a chuva desse uma trégua.
Uma mulher se virou para Kim, olhou para o urso debaixo do seu
braço e sorriu. Mas o menino não retribuiu o sorriso, ao contrário, fez cara de
poucos amigos e, num gesto provocador, apertou o bichinho contra o peito e
encostou-se na parede úmida. Em alguma parte longe dali surgiu um
relâmpago seguido pelo eco surdo do trovão.
Kim sentiu calafrios. Seus sapatos estavam encharcados e só agora ele
se dava conta de que estava parado numa poça d'água. Deu um passo para o
lado, mudou o urso do braço esquerdo para o direito e olhou, inseguro, para a
mãe, cujo rosto lhe parecia muito magro e pálido. Uma sensação desagradável
se apossou dele. Kim nunca havia se preocupado antes com a mãe; ele a
amava, é claro, ela estava sempre presente, à disposição dele, da irmã e do pai,
mas nunca lhe passou pela cabeça que ela poderia ter algum tipo de problema.
Ela simplesmente era a mãe, sempre pronta para atender às necessidades da
família, por menores que fossem. Sempre tinha tempo para ouvir e sempre
tinha uma palavra de conforto. Nesse momento, Kim entendeu quanta força e
quanta energia ela dispensava para estar sempre “a postos”. E, num ímpeto de
carinho, pegou sua mão e sorriu. A mãe retribuiu o sorriso, mas seu olhar
continuava triste. Apertou a mão do filho com tanta força que o machucou,
enquanto a água da chuva se misturava com as lágrimas que escorriam pelo seu
rosto.