Weisberger Lauren - Uma Noite no Chateau Marmont PDF
pianista
Quando o metrô finalmente rangeu na estação da Franklin Street,
Brooke estava quase passando mal de tanta ansiedade. Olhou o
relógio pela décima vez em vários minutos e tentou se lembrar de
que não era o fim do mundo; sua melhor amiga, Nola, a perdoaria,
tinha que perdoá-la, mesmo que estivesse indesculpavelmente
atrasada. Ela abriu caminho em direção à porta pela multidão de
viajantes da hora do rush, prendendo instintivamente a respiração
em meio a tantos corpos, e permitiu-se ser empurrada em direção à
escada. No piloto automático agora, Brooke e seus companheiros
de viagem puxaram seus celulares das bolsas e dos bolsos dos
casacos, entraram silenciosamente em uma fila indiana e, como
zumbis, marcharam como soldados coreografados escada de
cimento acima enquanto olhavam inexpressivamente para as telas
minúsculas nas palmas das mãos.
— Merda! — ela ouviu uma mulher obesa mais à frente gritar, e
um momento depois soube por quê.
A chuva a atingiu com força e sem aviso prévio no instante em
que ela saiu da estação. O que fora uma noite de março fria porém
decente apenas vinte minutos antes havia se deteriorado em uma
tristeza gelada e tempestuosa, com ventos chicoteando
violentamente a chuva para baixo, tornando totalmente impossível
se permanecer seco.
— Droga! — ela acrescentou à cacofonia de palavrões que as
pessoas gritavam à sua volta, enquanto lutavam para tirar guardachuvas
das bolsas ou proteger suas cabeças com jornais.
Como correra para casa para mudar de roupa depois do trabalho,
Brooke não tinha nada além de uma minúscula (e realmente fofa)
bolsinha prateada para se proteger do ataque aéreo. Adeus, cabelo,
pensou, enquanto começava a correr os três quarteirões até o
restaurante. Vou sentir saudades, maquiagem de olho. Foi um
prazer conhecê-las, lindas botas de camurça de cano alto que
custaram um terço do meu salário.
Brooke estava ensopada quando finalmente chegou ao Sotto, o
restaurante minúsculo e despretensioso do bairro onde ela e Nola
se encontravam duas ou três vezes por mês. A massa que eles
faziam não era a melhor da cidade — provavelmente nem mesmo
do quarteirão — e o espaço não tinha nada de especial, mas o local
possuía outros atrativos, e mais importantes: jarra de vinho a preço
razoável, um tiramisu sensacional e um maître italiano muito gato
que, só porque elas iam lá havia muito tempo, sempre reservava
para as duas a mesa mais discreta nos fundos.
— Oi, Luca — disse Brooke, cumprimentando o proprietário
enquanto tirava sua japona de lã tentando não respingar água para
todos os lados. — Ela já chegou?
Luca imediatamente tampou o bocal do telefone com a mão e
apontou com um lápis para trás.
— Na de sempre. Qual é a ocasião para o vestido sexy, cara
mia? Quer se secar primeiro?
Ela alisou com as duas mãos o vestido de jersey preto justo e de
mangas curtas e rezou para que Luca tivesse razão — que o vestido
fosse sexy e ela estivesse mesmo bonita. Brooke passara a pensar
naquela peça como seu Uniforme de Show; combinado com salto
alto, sandálias ou botas, dependendo do clima, ela o usava em
quase todas as apresentações de Julian.
— Já estou tão atrasada. Ela está muito zangada e reclamando
loucamente? — perguntou Brooke, amassando punhados de cabelo
numa tentativa desesperada de salvá-lo do iminente ataque de frizz.
— Já tomou meia jarra e ainda não largou o celular. É melhor
você ir logo.
Eles trocaram três beijos na bochecha — no começo, ela
protestara, mas Luca insistira —, e depois Brooke respirou fundo e
foi até a mesa. Nola estava confortável em seu assento, o blazer
pendurado no encosto da cadeira e o suéter sem mangas de
cashmere azul-marinho revelava braços bem torneados e
contrastava lindamente com sua incrível pele bronzeada. O corte do
cabelo — em camadas na altura dos ombros — era chique e sexy,
as mechas louras brilhavam sob as luzes suaves do restaurante, e a
maquiagem parecia recém-aplicada e natural. Olhando para ela,
ninguém imaginaria que aquela mulher havia acabado de passar 12
horas gritando em um pregão.
As duas só se conheceram no último período na Universidade de
Cornell, apesar de Brooke — como o restante do corpo discente —
já saber antes quem era Nola e ter tanto medo quanto fascínio por
ela. Enquanto outros estudantes viviam de moletom-capuz-e-botas-
Uggs, Nola, magra como uma modelo, preferia botas de salto alto e
blazers e nunca, jamais, prendia o cabelo em um rabo de cavalo.
Ela crescera em escolas de elite de Nova York, Londres, Hong Kong
e Dubai, lugares onde seu pai, banqueiro especialista em
investimentos, trabalhava, e havia usufruído da liberdade que
invariavelmente acompanha os filhos únicos de pais extremamente
ocupados.
Como ela acabou em Cornell e não em Cambridge ou
Georgetown ou na Sorbonne ninguém sabia, mas não era preciso
muita imaginação para perceber que ela não estava muito
impressionada. Enquanto os outros se empenhavam em tentar
entrar para fraternidades, encontrando-se para almoçar no Salão
Comunal e se embebedando em vários bares dos arredores, Nola
ficava na dela. De sua vida sabia-se uma coisa ou outra — o
conhecido caso com o professor de arqueologia, as frequentes
aparições de homens belos e misteriosos no campus, que
desapareciam logo depois — mas, na maior parte do tempo, Nola
assistia às aulas, tirava 10 em tudo e voltava correndo para
Manhattan assim que chegava a tarde de sexta-feira. Quando as
duas garotas se viram trabalhando uma no conto que a outra
escrevera, em uma disciplina eletiva de redação criativa no último
ano, Brooke ficou tão intimidada que mal conseguia falar. Nola,
como sempre, não pareceu muito feliz ou chateada, mas quando
devolveu o primeiro rascunho de Brooke, uma semana depois — um
texto de ficção sobre um personagem que tentava se adaptar ao seu
cargo no Corpo de Paz no Congo —, o papel estava cheio de
comentários e sugestões profundas e perspicazes. Aí, na última
página, depois de extensas e sérias opiniões, Nola havia escrito:
“P.S.: Que tal incluir uma cena de sexo no Congo?”, e Brooke riu
tanto que teve que sair da sala para se acalmar.
Depois da aula, Nola convidou Brooke para ir a uma cafeteria
minúscula no subsolo de um dos prédios da universidade, um lugar
que nenhum dos amigos de Brooke frequentava. Em poucas
semanas, Brooke estava indo para Nova York com Nola nos finais
de semana. Mesmo depois de todos aqueles anos, Nola ainda era
fabulosa demais para se descrever, mas Brooke sentia certo
conforto em saber que a amiga soluçava ao ver matérias no
noticiário mostrando soldados voltando da guerra. Nola era
secretamente obcecada pela ideia de um dia ter uma casinha de
cerca branca em um bairro residencial apesar de ridicularizar
abertamente esse sonho e de nutrir um medo patológico por cães
pequenos que latem alto (com exceção Walter, o cachorro de
Brooke).
— Perfeito, perfeito. Não, acho que não tem problema sentar no
bar — Nola dizia ao telefone, revirando os olhos para Brooke. —
Não, não precisa fazer reserva para o jantar, vamos ver o que
acontece. Está bem, parece ótimo. Até lá.
Ela fechou o telefone e imediatamente agarrou o vinho tinto,
enchendo o próprio copo antes de se lembrar de Brooke e encher o
dela também.
— Você me odeia? — perguntou Brooke enquanto pendurava o
casaco no encosto da cadeira ao lado e jogava o guarda-chuva
pingando embaixo da mesa. Tomou um gole grande de vinho e
saboreou a sensação do álcool deslizando pela língua.
— Por quê? Só porque estou sentada aqui sozinha há trinta
minutos?
— Eu sei, eu sei, me desculpe. Dia infernal no trabalho. Dois dos
nutricionistas ligaram dizendo que estavam passando mal, o que, se
quer saber, me parece suspeito, e tivemos que cobri-los. É claro
que, se alguma vez a gente marcasse de se encontrar perto da
minha casa, talvez eu conseguisse chegar na hora...
Nola ergueu a mão.
— Entendido. Agradeço por você ter vindo de tão longe até aqui.
Mas é que jantar no Midtown West é simplesmente algo que não me
atrai.
— Com quem você estava falando? Era o Daniel?
— Daniel? — Nola pareceu confusa. Ficou olhando para o teto
enquanto parecia vasculhar o cérebro. — Daniel, Daniel... Ah! Que
nada, já esqueci ele. Eu levei coisas do trabalho para ele no começo
da semana passada e ele foi tão estranho! Foi superconstrangedor.
Não, eu estava marcando o encontro de amanhã do Match.com. O
segundo esta semana. Como foi que eu fiquei assim, tão patética?
— Ela suspirou.
— Por favor, Nola. Você não é...
— Não, sério. É patético eu ter quase 30 anos e ainda pensar no
meu namorado de faculdade como o único relacionamento “sério”
que tive. Também é patético eu ser cadastrada em vários sites de
namoros on-line e sair com homens de todos eles. Mas o que é
mais patético, o que está beirando o injustificável, é que estou
disposta a admitir isso para qualquer um que queira ouvir.
Brooke tomou mais um gole.
— Eu não sou “qualquer um que queira ouvir”.
— Você entendeu o que eu quis dizer. Se você fosse a única
testemunha da minha humilhação, eu poderia viver com isso. Mas é
como se eu tivesse ficado tão afeita ao...
— Boa palavra.
— Obrigada. Era a palavra do dia no meu calendário hoje de
manhã. Então, sério, estou tão afeita à indignidade disso tudo que
não tenho mais filtro. Ontem mesmo passei exatos 15 minutos
tentando explicar a um dos vice-presidentes mais graduados da
Goldman a diferença entre os homens do Match e os do Nerve. É
imperdoável.
— Mas e aí, quem é esse cara de amanhã? — perguntou Brooke,
tentando mudar de assunto.
Era impossível acompanhar as histórias de Nola com os homens
de uma semana para outra. O desafio não era só lembrar quem era
o cara da vez — o que já era bastante difícil, mas também saber se
ela queria desesperadamente um namorado com quem pudesse
sossegar ou se desprezava compromisso e só queria ser solteira e
maravilhosa e sair transando por aí. Isso mudava de um segundo
para o outro, sem aviso; assim, Brooke ficava o tempo todo tentando
lembrar se o cara desta semana era “super incrível” ou “um desastre
total”.
Nola semicerrou os olhos e fez um biquinho, sua marca
registrada, os lábios cobertos com gloss; o gesto conseguia dizer
“Sou frágil”, “Sou doce” e “Quero que você me violente”, tudo ao
mesmo tempo. Obviamente, ela estava pensando em uma resposta
longa para a pergunta.
— Guarde isso para os homens, amiga. Não funciona comigo —
mentiu Brooke.
Nola não era de uma beleza tradicional, mas isso não tinha muita
importância. Ela se arrumava tão lindamente e emanava tanta
confiança que tanto homens quanto mulheres sucumbiam aos
montes aos seus encantos.
— Este parece promissor — disse ela, melancólica. — Tenho
certeza de que é só uma questão de tempo até ele revelar um
defeito colossal e inaceitável, mas até lá o considero perfeito.
— E como ele é? — pressionou Brooke.
— Hum, vejamos. Era do time de esqui na faculdade, e foi por
isso que cliquei no perfil dele. Ele chegou a trabalhar por duas
temporadas como instrutor, primeiro em Park City e depois em
Zermatt.
— Perfeição, até agora.
Nola assentiu.
— É. Ele tem 1,80m, é sarado (ou pelo menos é o que diz), tem
cabelo castanho-claro e olhos verdes. Está em Nova York apenas
há alguns meses e não conhece muita gente.
— Você vai resolver isso.
— É, acho que sim... — Ela fez aquele biquinho. — Mas...
— Qual é o problema?
Brooke encheu ambos os copos novamente e assentiu para o
garçom quando ele perguntou se as duas iam querer o de sempre.
— Bem, é o lance do trabalho. Ele se autodescreveu como
“artista”. — Nola pronunciou essa palavra como se estivesse
dizendo “pornógrafo”.
— E daí?
— E daí? Que diabos isso significa? Artista?
— Hum, acho que pode significar muitas coisas. Pintor, escultor,
músico, ator, escri...
Nola botou a mão na testa.
— Ah, por favor! Só pode significar uma coisa, e nós duas
sabemos o que é: desempregado.
— Todo mundo está desempregado agora. É quase chique.
— Ah, qual é. Eu posso até relevar se o cara perdeu o emprego
por causa da recessão. Mas um artista? É duro de engolir.
— Nola! Isso é ridículo. Há muitas pessoas, um monte delas,
milhares, provavelmente milhões, que vivem da sua arte. O Julian,
por exemplo. Ele é músico. Eu nunca deveria ter saído com ele,
então?
Nola abriu a boca para responder mas mudou de ideia. Houve um
momento constrangedor de silêncio.
— O que você ia dizer? — perguntou Brooke.
— Nada, nada. Você tem razão.
— Não, sério. O que você ia dizer? Diga.
Nola girou sua taça de vinho pela haste e pareceu preferir estar
em qualquer lugar, menos ali.
— Não é que o Julian não seja talentoso, mas...
— Mas o quê? — Brooke se inclinou para perto, aproximando-se
tanto que Nola foi obrigada a olhar em seus olhos.
— Mas eu não sei se o chamaria de “músico”. Ele era assistente
de alguém quando você o conheceu. Agora, você o sustenta.
— É, ele era estagiário quando nos conhecemos — falou Brooke,
quase sem tentar esconder sua irritação. — Estava estagiando na
Sony para aprender sobre a indústria fonográfica, ver como
funciona. E adivinha só? Foi apenas por causa dos contatos que ele
fez lá que alguém prestou alguma atenção nele. Se ele não tivesse
estado lá todos os dias, tentando se tornar indispensável, você acha
que o diretor de Novos Talentos teria gastado duas horas do tempo
dele para ver o Julian se apresentar?
— Eu sei, é só que...
— Como pode dizer que ele não está fazendo nada? É realmente
isso que você pensa? Não sei se você sabe, mas ele passou os
últimos oito meses trancado num estúdio gravando um disco. E por
falar nisso, não apenas um capricho: a Sony o contratou como
artista. Olha aí essa palavra de novo. E pagou adiantado. Se você
não acha que isso é um trabalho decente, eu realmente não sei o
que dizer.
Nola ergueu as mãos, admitindo derrota, e baixou a cabeça.
— É claro. Tem razão.
— Você não parece convencida.